segunda-feira, 14 de abril de 2025

REDAÇÃO NOTA MAXIMA UNESP MEDICINA 2022

 A Tristeza Como Parte da Realidade Humana

Na Bíblia, Eva e Adão são condenados ao sofrimento e à desgraça após comerem o fruto proibido do Paraíso. Na mitologia grega, os seres humanos também são punidos com as maldições dos deuses do Olimpo após a abertura da caixa de Pandora, que continha todos os males do mundo. Mesmo sendo obras literárias, essas narrativas refletem a cultura da humanidade ao longo dos séculos, evidenciando como a tristeza é tradicionalmente interpretada como castigo. Isso reforça a crença de que apenas a felicidade merece ser contemplada. Contudo, em tempos de felicidade compulsória, como no século XXI, é essencial compreender que a tristeza faz parte da normalidade da vida. Não estar bem o tempo todo é natural, e negar esse estado pode levar a atitudes prejudiciais na tentativa de retornar a um estado artificial de felicidade.

Em primeira análise, vale destacar que o cotidiano humano está cada vez mais repleto de falsas alegrias, o que distorce a percepção da tristeza como algo natural. Conforme o sociólogo Guy Debord, a sociedade do espetáculo promove a necessidade de o indivíduo se exibir aos outros sob uma aparência exagerada de sucesso, mesmo que essa imagem não corresponda à sua realidade. Nessa lógica, o intenso compartilhamento de momentos felizes — seja pelas redes sociais, seja em interações cotidianas — cria uma visão hegemônica da felicidade. A ausência de representações negativas da vida real faz com que qualquer sentimento fora desse padrão seja visto como anormal. Assim, a tristeza é marginalizada e passa a ser vista como incompatível com a vida moderna.

Consequentemente, ao não reconhecer a melancolia como uma condição humana legítima, muitas pessoas recorrem a medidas problemáticas para restaurar o estado de positividade. Isso pode incluir o uso excessivo de medicamentos ou até o envolvimento com drogas ilícitas, numa tentativa de escapar da dor emocional. Quando alguém se recusa a aceitar sua tristeza, tende a fugir da realidade como forma de proteção emocional. No entanto, essas estratégias são paliativas: a dor retorna, e o indivíduo se vê preso em um ciclo vicioso, no qual a fuga se torna a única resposta possível à tristeza. Com isso, negar a existência de momentos difíceis pode, na verdade, aprofundar ainda mais o sofrimento.

Portanto, mesmo em uma era marcada pela imposição da felicidade constante, é fundamental compreender que não estar bem o tempo todo é perfeitamente normal. A busca incessante por soluções imediatas e superficiais apenas mascara a realidade humana, impedindo a construção de um bem-estar verdadeiro e duradouro. Assim como Eva e Adão, ou como os mortais diante da caixa de Pandora, não fomos castigados, apenas colocados diante da verdade da existência: a vida é feita de luzes e sombras, e a tristeza é uma parte inevitável — e necessária — do ser.


 Eric Bezerra de Sousa NOTA 28,00

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