escrição da Obra de Adriana Varejão
A imagem apresenta uma obra escultórica que se assemelha a um fragmento arquitetônico ou um pilar de construção.
Estrutura Externa: A superfície visível do pilar é coberta por um padrão de azulejos que remete à tradição da azulejaria portuguesa, mas utiliza as cores verde e amarelo (ou tons próximos), fazendo uma clara alusão à bandeira e à identidade visual do Brasil. Os azulejos são dispostos em um padrão geométrico xadrez (losangos).
A Ruptura: O pilar está partido, quebrado ou rachado em uma de suas bordas.
O Interior Revelado: Através dessa ruptura, o interior da estrutura é exposto, revelando uma substância que simula a cor e a textura da carne, vísceras ou matéria orgânica. Essa parte interna é carnuda, úmida e avermelhada.
A obra justapõe a rigidez e a beleza formal do azulejo histórico com a fragilidade e a violência crua da matéria orgânica.
🩸 Análise do Significado Artístico e Histórico
A justaposição de elementos na obra de Varejão (Azulejo/Ordem vs. Carne/Caos) serve como uma metáfora potente para a formação e a história da sociedade brasileira, marcada por tensões e violências estruturais.
1. Colonização Portuguesa e a Superfície (O Azulejo)
O uso do azulejo remete diretamente à arquitetura e à estética da colonização portuguesa.
Ordem e Civilização: O azulejo, com seu padrão geométrico, representa a ordem, a civilidade, a religiosidade e a tentativa de implantação de um modelo cultural europeu no território brasileiro. É a fachada idealizada da história: um discurso de beleza e controle.
Identidade Nacional: A escolha das cores verde e amarelo (embora atenuadas) insere essa tradição diretamente no debate da identidade nacional brasileira, questionando o que está por trás dos símbolos pátrios.
2. O Passado Violento e a Carne Exposta (O Interior)
A ruptura da superfície e a revelação da carne são o cerne da crítica e da reflexão da artista.
A Violência Subjacente: A carne exposta simboliza a violência, a dor e o trauma que estão literalmente embutidos na estrutura e na fundação do Brasil. A história oficial, revestida pela ordem do azulejo, esconde um substrato de sofrimento.
O Passado Escravocrata: A carne evoca a violência física do período escravocrata. A carne humana foi tratada como mercadoria e submetida a castigos brutais, tornando-se o corpo político sobre o qual a riqueza e a sociedade colonial foram construídas. A "rachadura" mostra o que a história da elite tentou soterrar: o corpo violado do negro, do indígena e do marginalizado.
Formação Sanguinária: O interior orgânico e cru sugere que a formação da sociedade brasileira não foi um processo pacífico e organizado, mas sim um processo visceral, sanguinário e traumático. É uma crítica à ideia de um "paraíso tropical" ou de uma democracia racial, revelando que a beleza (o azulejo) é mantida pelo sacrifício e pela exploração (a carne).
3. A Metáfora do Pilar Partido
O pilar, sendo uma base de sustentação, quando partido, sugere a fragilidade e a instabilidade das estruturas brasileiras. A obra questiona:
Se a fundação do país é feita de dor e violência, quão estável é o edifício social que se ergue sobre ela?
A arte de Varejão age como um ato de memória que força o espectador a olhar para o que foi escondido, rasgando o véu da história oficial para confrontar o trauma corporal e social que moldou o Brasil.
A obra, portanto, é uma poderosa meditação sobre a memória histórica, a política do corpo e a desconstrução da identidade nacional, revelando que a beleza e a ordem coexistem com a barbárie fundacional.

