A canção “Construção”, de Chico Buarque, retrata criticamente o cotidiano árduo de um pedreiro que é fadado, diariamente, a destinar a própria vida ao trabalho. Dessa maneira, o compositor conseguiu perfeitamente descrever a vida do homem contemporâneo, uma vez que esse, reduzido à mera engrenagem do sistema capitalista, vende o seu tempo aos meios de produção, esquecendo de si mesmo. Nesse sentido, construiu-se, na mentalidade humana, uma crença em que tempo é dinheiro, ou seja, é o que verdadeiramente importa. Entretanto, isso não passa de uma falácia que desumaniza o homem, tal como o aliena de sua própria vida.
Em primeiro lugar, o sistema hodierno reduz o ser humano à lógica do trabalho. Apesar de o dinheiro ser visto como ditador do tempo desde a Antiguidade ocidental, o neoliberalismo tem intensificado esse processo ao despersonalizar o homem, dado que o coisifica, reduzindo-o à sua força de trabalho - fenômeno postulado por Karl Marx. Tal processo é nítido ao refletir a respeito da lógica empresarial do século XXI: uma empresa contrata um “coach” para aplicar sobre os seus funcionários a idealização do sucesso, ao afirmar que, a partir do constante esforço, obterão o padrão de vida dos seus chefes e, assim, poderão viver de maneira luxuosa. Em virtude disso, as pessoas passam a enxergar o consumo supérfluo como a razão de sua existência. Logo, fica claro que o homem, desumanizado, vende o seu tempo, e passa a ser escravo do capital.
Além disso, o dinheiro como "ditador do tempo" torna o homem alienado de si mesmo. A lógica do provérbio popular “o trabalho dignifica o homem” ilude a humanidade a acreditar que, apenas com a produtividade do trabalho, conquista-se o direito de uma vida digna. Isso vai, negativamente, de encontro com o pensamento nietzcheniano a respeito da plenitude da alma, visto que essa só é conquistada a partir do ócio, da plena contemplação. Sob essa perspectiva, o homem deve destinar, então, parte do seu tempo ao descanso do trabalho, o que não tem sido possível, pois o capitalismo o força, psicologicamente, a crer que deve produzir exaustivamente para ser bem visto aos olhos da sociedade. Esse cruel processo foi claramente incentivado, por exemplo, às pessoas no início da pandemia da Covid-19, já que universidades e plataformas digitais disponibilizaram, logo nas primeiras semanas do isolamento, cursos profissionalizantes gratuitamente. Portanto, é nítido como o homem é afastado do ócio, essencial para uma vida saudável, pela lógica do trabalho como responsável pela dignidade.
Em suma, as engrenagens capitalistas acorrentam, portanto, os homens na lógica de que tempo é dinheiro, já que destina a vida humana ao trabalho, como esclarece Buarque em “Construção”, de modo a desumanizar o homem e aliená-lo de sua própria existência. No entanto, em prol da necessária paz da alma, o tempo, indiscutivelmente, nunca será dinheiro.
[Júlia Domingues de Macedo – Nota 28 de 28 pontos possíveis – REDAÇÃO NOTA MÁXIMA.]
Redação UNESP 2021 “Tempo é dinheiro?”
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