A fala discriminada
O preconceito linguístico consiste em depreciar alguém baseado em seu modo de se expressar. Tal ato está revestido do desejo não apenas de se diferenciar do outro, mas de se mostrar superior às minorias pobres, periféricas e/ou racial ou sexualmente divergentes.
O Brasil é um país continental, nacionalmente miscigenado, culturalmente diverso, - além de profundamente desigual do ponto de vista socioeconômico. Sendo assim, a língua portuguesa, - herança colonial, - sofreu profundas modificações, ainda mais pelo histórico descaso com a Educação de diversos governos do país. Neste contexto, o analfabetismo resultou num "falar" ao mesmo tempo rico e inculto, ou, como salientou o modernista Oswald de Andrade: "contribuição de todos os erros." Passadas décadas, o preconceito linguístico tem foco nas gírias dos jovens de periferia, nos dialetos jocosos dos LGBT´s nos guetos, nas expressões negras/afrodescendentes nos arrabaldes quilombolas, nos dizeres dos caiçaras litorâneos, no falar interiorano dos caipiras e matutos.
Um idioma está em permanente transformação. A norma padrão - na qual a escrita se ampara - nada mais é do que uma de suas expressões. A elite letrada, contudo, não só a denominou "forma culta", apropriou-se dela e passou a usá-la pra ditar as regras de um pretenso "falar correto". Com o discurso de salvaguardar sua "pureza" (definida por gramáticos de casaca), o Português se tornou uma série de regras a serem "decoradas" acriticamente. Restrito seu domínio àqueles com acesso a escolas de qualidade, tornou-se instrumento de exclusão em provas, concursos e entrevistas; portanto, uma "arma" de manutenção do "status quo" de um grupo sobre os demais.
O desprezo aos sotaques das regiões menos desenvolvidas do pais reflete as diferenças entre centro e periferia brasileiras (Sul/Nordeste, capital/interior, planície/morro, centro/subúrbios). As migrações de retirantes nordestinos e nortistas para o Sul e capitais por décadas, puseram em contato o Brasil letrado e o oral. Em posição subalternas de trabalho, "baianos" e "paraíbas" viraram termos pejorativos, discriminados por suas variantes idiomáticas e suas expressões locais, taxados de gente simples e ignorante. Esse desprezo foi retratado por Clarice Lispector em seu romance "A hora da estrela" através de Macabeia, datilógrafa alagoana constantemente humilhada por seu sotaque.
A discriminação linguística é mais uma forma de manifestação do preconceito contra minorias, portanto, prática inaceitável num pais plural e democrático. Ela não só revela ignorância sobre a formação do Brasil, como se configura em crime, já que implica reprovação, repulsa e desrespeito a outrem. Sendo assim, cabe ao MEC promover campanhas nacionais (a serem veiculadas na mídia) de valorização dos diversos modos de expressão. Deve, igualmente, fornecer material de debates nas escolas, para que professores garantam uma visão crítica (e menos preconceituosa) sobre a língua, a fim de combater a ignorância, o desrespeito e a intolerância às formas idiomáticas variantes e seus falantes.
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