Num romance clássico de Machado de Assis, o protagonista Brás Cubas é um neurastênico tão obcecado por automedicação que, ele próprio, almeja a criação de um emplastro capaz de curar todas as doenças. Analogamente ao comportamento do personagem da ficção, muitos brasileiros adquiriram o hábito de se automedicarem. Entender o porquê de tal prática, assim como o impacto negativo disso para a sociedade é fundamental para a resolução do problema.
De acordo com o filósofo coreano, Byung-Chul Han, vivemos numa sociedade caracterizada pelo cansaço para qual o uso de medicamentos se tornou imprescindível ao exercício de funções sociais básicas impulsionado pela competitividade sempre ciosa do máximo desempenho. Aspirina, Advil, Dramin, Rivotril e Viagra: não há quem não reconheça pelo menos uma dessas marcas, já que a maioria os "consome" sem critério. Se os fármacos são hoje anunciados em pacotes promocionais é porque o homem banalizou suas dores e doenças, desconsiderando possíveis riscos.
Embora, muitas drogas sejam controladas e exijam receitas médicas, não é raro seu acesso ilegal até mesmo em farmácias. A automedicação é tão corriqueira que até balconistas recomendam/prescrevem remédios indiscriminadamente. Apesar do Sistema Único de Saúde possibilitar consultas e exames oficiais, a morosidade para o atendimento impulsiona pessoas à automedicação. O resultado, contudo, é por vezes intoxicações, reações alérgicas, mascaramento de sintomas e/ou agravamento da doença; em casos extremos: dependência e morte. O pior é quando líderes políticos, por irresponsabilidade e charlatanismo, induzem seu próprio povo a consumir remédios, não só contraindicados para o diagnóstico, mas letais a longo prazo.
O risco de se medicar sem passar por uma avaliação/consulta de um profissional especializado tornou-se, no Brasil, um caso de saúde pública. É preciso, portanto, que o Ministério da Saúde promova campanhas de conscientização - a ser difundida nas diversas mídias - a fim não só de alertar, mas de reeducar o cidadão quanto aos perigos da ação. Urge fiscalizar e coibir práticas criminosas de venda ao consumidor de fármacos sem receituário; além de regulamentar propagandas que instiguem e banalizem o consumo. Diferente do que sonhou Brás Cubas, não há paliativos (nem emplasto) para a existência.
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