domingo, 6 de julho de 2025

Fluxo de Consciência e Monólogo Interior: Uma Introdução

No Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, encontramos a seguinte passagem: "O monólogo interior é uma técnica narrativa que viabiliza a representação da corrente de consciência de uma personagem. Foi E. Dujardin o primeiro escritor a pôr em prática essa técnica narrativa, na obra Les laurier sont coupés (1887); e foi Joyce quem retirou este escritor do esquecimento, ao apontá-lo como inspirador dos monólogos de Ulisses." (REIS, LOPES, 2007, p. 237).

Neste trecho já podemos observar a íntima relação que existe entre os dois recursos narrativos em questão, relação que se estreita ainda mais quando os autores afirmam que: "O monólogo interior distingui-se do monólogo tradicional, pelo facto de representar o fluxo de consciência da personagem sem qualquer intervenção organizadora do narrador. Há, no entanto, autores que consideram desnecessária esta distinção, na medida em que se trata, em ambos os casos, de uma citação directa dos pensamentos da personagem, marcada gramaticalmente pela primeira pessoa e pelo presente. Sublinhe-se, todavia, que o monólogo interior, justamente porque se propõe veicular processos mentais e conteúdos psíquicos no seu estado incoativo, não apresenta a estrutura articulada do monólogo tradicional." (REIS, LOPES, 2007, p. 238, 239).


Observemos este outro trecho do conto em questão, em que o marido da protagonista a observa da janela do apartamento, caminhando com o filho do casal: 


“Catarina”, pensou, “Catarina, esta criança ainda é inocente!” Em que momento é que a mãe, apertando uma criança, dava-lhe esta prisão de amor que se abateria para sempre sobre o futuro homem. Mais tarde seu filho, já homem, sozinho, estaria de pé diante desta mesma janela, batendo dedos nesta vidraça; preso. Obrigado a responder a um morto. Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer. Agora mãe e filho compreendendo-se dentro do mistério partilhado. Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem. “Catarina”, pensou comcólera, “a criança é inocente!” Tinham porém desaparecido pela praia. O mistério compartilhado. (LISPECTOR, p. 101, 1998). 


Nesta passagem há um exemplo de toda a relevância que a interiorização da narrativa possui na obra clariceana. A partir de uma inesperada mudança no foco narrativo - após concentrar-se na maioria das páginas em Catarina, a autora dirige suas atenções para o marido, que adentra o texto através de um aparente monólogo interior - Lispector constrói um jogo narrativo em que se torna no mínimo complexo identificar de quem são, afinal, os pensamentos e impressões descritos nessa passagem; e mesmo que possamos “creditar” estes pensamentos ao personagem do marido, o próprio personagem parece não saber inteiramente a respeito do que está refletindo. Para chegar a esta constatação, basta destacar a aparência de pergunta sem resposta que muitas frases têm: “Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer.” (LISPECTOR, p. 101, 1998), ou ainda “Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem.” (LISPECTOR, p. 101, 1998). 



FONTE:

[XIII Congresso Internacional da ABRALIC: Internacionalização do Regional

08 a 12 de julho de 2013 Campina Grande, PB

O Fluxo de Consciência e o Monólogo Interior no Conto "Os Laços de Família" de Clarice Lispector

Prof. Dr. Silvio Holanda¹ Mestrando Felipe Cruz²


Resumo

Este artigo tem o objetivo de investigar como se dá a utilização dos recursos do fluxo de consciência e do monólogo interior no conto "Os laços de família", de Clarice Lispector. Para que essa tarefa seja cumprida, foi feito um rápido apanhado histórico e crítico a respeito dos dois recursos em questão, bem como um breve histórico do livro onde o conto foi incluído (no caso, Laços de Família, publicado em 1960). Esses dois momentos distintos convergem ao final do artigo, onde os conceitos de fluxo de consciência e monólogo interior serão aplicados ao conto de Clarice Lispector, evidenciando a importância que estes dois mecanismos narrativos possuem para o estilo da autora e, consequentemente, para sua obra ficcional.


Palavras-chave: Clarice Lispector; fluxo de consciência; monólogo interior.]


Solilóquio, Monólogo interior e Fluxo de consciência

 1. Solilóquio:

É uma fala em voz alta dirigida a si mesmo, como se o personagem estivesse pensando alto. 

É uma técnica mais organizada, onde o personagem expõe seus pensamentos de forma clara e compreensível. 

Pode ser usado para revelar informações sobre o personagem, suas motivações ou conflitos internos. 

Exemplo: Um personagem que, ao se olhar no espelho, diz em voz alta: "Será que devo ir a essa festa? Estou tão cansado, mas talvez seja bom para espairecer." 

2. Monólogo Interior:

É uma técnica que busca reproduzir o fluxo de pensamentos de um personagem, sem a preocupação com a organização ou a clareza da fala.

Os pensamentos podem ser mais fragmentados e associativos do que no solilóquio.

Pode ser usado para revelar a subjetividade e a complexidade da mente do personagem.

Exemplo: "Aquela roupa... não sei... combina com o meu cabelo? Ou o cabelo está muito curto? Preciso cortar, mas qual cabeleireiro... aquele é bom..." 

3. Fluxo de Consciência:

É uma técnica que busca reproduzir a totalidade da experiência mental de um personagem, incluindo pensamentos, sensações, memórias e associações.

Apresenta uma sequência caótica e não linear de pensamentos, muitas vezes sem sentido aparente.

Pode ser usado para criar um efeito de imersão no mundo interior do personagem e para explorar a natureza complexa da mente humana.

Exemplo: "O sol... quente... a grama... verde... lembra a infância... aquele dia na praia... o mar... azul... a areia... quente... a areia... branca... a areia... branca.

quinta-feira, 17 de abril de 2025

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Aniversário exige cálculo. Não sou avesso à matemática, mas os número me assustam. Mas é inevitável somar o percurso até o tempo presente, mesmo para saber esse outro tempo que nos resta. Nesse processo sei que não terei filhos, que dentes, pelos negros e colágeno não retornarão. O estômago não ficará melhor. E será sempre mais dificil perder peso, ganhar ou perder massa muscular. E será esse encolher a cada ano. Hoje entendo a necessidade de corrimão nas escadas. A vida tem menos promessas. E você não compra mais briga, zela pela paz, pelo sossego e pelo conforto. 

Não prosperei. Fui otimista em relação à vida e levei uma rasteira. Tenho cada vez menos amigos. Me arrependo de todas as escolhas erradas, pois sei que o que me trouxe até aqui fui eu mesmo. Minhas escolhas me definem. Os ventos contrários são os ventos contrários. Agradeço não ter morrido e estar com uma saúde boa. A memória do amor é sempre triste, e há muito fracasso nesse campo, uma colossal frustração sexual e afetiva. Apesar de tudo, sobrevivi a uma serie de mortes de pessoas mais jovens, promissoras e um tanto melhores que eu. Tenho o privilégio de alguma fé metafísica. Meu lado criança segue em bullying. Contudo, sempre estou confortável comigo e não pratico - conscientemente o autoengano. E o mais importante: desde a infância me preparo para uma velhice solitária.

Fluxo de Consciência e Monólogo Interior: Uma Introdução No Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, encontramos ...