domingo, 15 de julho de 2018

TEMA. Uberização do trabalho (Matéria jornalística)

A uberização da Uber,  


por Rodrigo Firmino e Bruno Cardoso

Daniele era motorista profissional, contratada por Michel para servir sua família. Seu trabalho seguia todas as regras trabalhistas, como jornada de oito horas diárias e registro em carteira. Entretanto, nas horas em que estava a trabalho e sem atividades específicas com a família de Michel, Daniele era obrigada a realizar corridas como motorista de Uber…

Desde a década de 1980, a crise que assola o mundo do trabalho e a sociedade salarial vem sendo documentada e pensada pelo trabalho acadêmico e amplamente debatida nas arenas políticas dos mais diversos países. Essa crise implica o abalo do modelo que prevaleceu em parte considerável do século XX, caracterizado pelo predomínio do emprego formal, pela força da representação sindical e pelas negociações setoriais, além da associação entre a identidade dos cidadãos e sua ocupação profissional e um perfil de gênero majoritariamente masculino. Muitas dessas transformações se consolidaram ou se radicalizaram com a popularização e a conexão constante de dispositivos comunicacionais digitais e a internet, assunto que vem sendo tratado de forma exaustiva pela sociologia.1 Como efeitos, temos ao mesmo tempo o lento fim dos empregos e o esvaecimento das fronteiras entre o trabalho e o não trabalho. Além disso, os dispositivos tecnológicos e a rede vêm propiciando o surgimento de novos modelos de trabalho e de exploração de serviços, entre os quais nos interessa aqui diretamente o da sharing economy.

Tendo como protagonistas empresas que rapidamente se tornaram gigantes do ramo, como Airbnb e Uber, o fenômeno se espalha para vários tipos de serviço, acompanhados pela grande quantidade de empresas que apostam no que ficou conhecido como uberização. Esse fenômeno é marcado, entre outras coisas, pela precarização das relações de trabalho, já que as empresas se apresentam apenas como fornecedoras da tecnologia de intermediação de serviços, não assumindo com isso nenhuma responsabilidade trabalhista em relação a seus usuários-parceiros. Exemplos são os mais variados e assustadores, como o caso da prefeitura de Ribeirão Preto (SP), que chegou a elaborar um projeto, popularmente conhecido como professor Uber, para a contratação de aulas avulsas para a rede municipal de educação.2 Se para a Uber a consequência mais imediata parece ser a precarização das relações de trabalho e a extinção do vínculo formal, no caso do Airbnb os impactos se sentem mais, para além do setor hoteleiro, no processo de gentrificação das vizinhanças e da expulsão dos locatários tradicionais, com contratos longos e valores (bem menores) mensais, e não diários. Ambos, Airbnb e Uber, colaboram para a produção da cidade contemporânea, bastante diferente das cidades que viram o encerramento do século XX.

A rapidez da disseminação e o impacto da economia colaborativa não podem ser explicados apenas em razão do encolhimento do mercado de trabalho formal e da precarização das relações de trabalho, nem por conta do desenvolvimento e popularização dos dispositivos tecnológicos conectados pela internet. O modelo Uber-Airbnb obteve sucesso, diante de várias tentativas diferentes de start-ups na fervilhante economia dos aplicativos, também por ter “afinidade eletiva”, como diria Max Weber, com aquilo que é chamado de self empreendedor,3 característico da racionalidade neoliberal4 contemporânea e dos modos de subjetivação que a produzem. Em outras palavras, trata-se da sedução do empreendedorismo, da autoconcepção dos indivíduos como “empresas de si”, constituídas primordialmente por capital humano e concorrendo com inúmeros outros indivíduos-empresa pela prestação de serviços ou por oportunidades de mercado. De proprietários imobiliários com vários imóveis no Airbnb a motoristas de Uber que trabalham até catorze horas por dia, seja como forma de aumentar seu capital econômico ou de sobreviver em um contexto de crise e queda nos índices de vagas de trabalho formal e de encolhimento do valor real do salário mínimo, cada vez mais pessoas se envolvem com o modelo da sharing economy.

Dani e o “comandante”: a precarização da liberdade

A uberização ganha contornos curiosos a cada dia, mas recentemente presenciamos o que parece ser uma tentativa de elevar ao máximo o aproveitamento desse tipo de precarização do ponto de vista da exploração do trabalho. Os detalhes do esquema impressionam pela engenhosidade das relações propostas para maximizar a exploração das horas contratadas de um trabalhador, a ponto de o contratado realizar atividades adicionais em suas horas de trabalho para, indiretamente, pagar por seu próprio salário.

Após um encontro da Rede Latino-Americana de Estudos sobre Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits), em São Paulo, tomamos um UberX conduzido por uma jovem motorista chamada Daniele,5 muito simpática e alegre. Daniele seguia o caminho sugerido pelo aplicativo e conduzia com eficiência. Animados com as possibilidades de novos projetos de pesquisa sobre vigilância da Lavits, conversávamos sobre Big Data e as possibilidades de uso da coleta e manipulação de dados por governos, empresas e cidadãos. Debatíamos projetos para, por exemplo, modificar a precificação de apólices de seguro baseada na análise de dados individualizados e em tempo real de clientes, personificando de maneiras cada vez mais precisas os cálculos de risco.

Daniele manipulava seu celular enquanto conduzia, recebendo e respondendo mensagens de um interlocutor chamado “comandante”, mas parecia atenta à nossa conversa. Foi quando nos ocorreu envolvê-la na discussão, questionando-a sobre as condições do seguro de seu veículo pelo fato de usá-lo como instrumento de trabalho informal. Daniele respondeu dizendo que no seguro não havia informações sobre o uso da Uber, mas disse que o veículo, na verdade, pertencia a outra pessoa, seu “chefe”. Esse fato não passou despercebido, e queríamos saber mais sobre o que parecia ser um exemplo de terceirização de frota Uber, o que não seria o primeiro caso.

No entanto, estávamos equivocados. Daniele era motorista profissional, contratada por Michel para servir sua família. Seu trabalho seguia todas as regras trabalhistas, como jornada de oito horas diárias e registro em carteira. Entretanto, nas horas em que estava a trabalho e sem atividades específicas com a família de Michel, Daniele era obrigada a realizar corridas como motorista Uber, com as seguintes condições: todo valor repassado pela Uber iria diretamente para a conta do chefe; o e-mail cadastrado no serviço era o de Michel, que monitorava valores e trajetos conforme estes aconteciam; em caso de acidentes, a responsabilidade recairia sobre Daniele; celular e veículo eram de propriedade de Michel; e não havia a possibilidade de trabalhar sem aceitar essas condições.

Muito constrangidos e preocupados, começamos a fazer cada vez mais perguntas e a tecer comentários, sugerindo cuidados e o registro de todo o processo em caso de problemas futuros com a justiça trabalhista. Daniele então nos revelou outro detalhe assustador: o “comandante” com quem ela trocara mensagens pouco antes era o próprio Michel, que reclamava da quantidade pequena e do preço baixo das corridas. Afinal, ele recebia relatos de todas as corridas em tempo real. Já nos preocupávamos se nossas conversas também não estariam sendo monitoradas pelo “comandante”. Daniele se sentia pressionada e tinha de cumprir todos os requisitos, pois, como ela própria disse, “desse jeito sou eu que pago meu próprio salário”. A lucidez de sua análise ressaltava que o pagamento que recebia era composto por parte do que ela mesma arrecadava com o serviço de Uber durante sua jornada de trabalho, desempenhando uma função que se desviava de sua atividade-fim – conduzir a família de Michel ao shopping, à escola, ao clube etc.

A exploração se revelou complexa, astuta e eticamente questionável, de uma trabalhadora “semiprecarizada”, em uma situação construída sobre ambiguidades, por um patrão que se identificava no celular como “comandante”. Tratava-se de uma maximização da exploração de sua força de trabalho. Era curioso e surpreendente que, numa atividade tão característica da sharing economy e do self empreendedor, os velhos conceitos de mais-valia e de propriedade dos “meios de produção” pudessem fazer tanto sentido.

A história ganhou contornos de assédio moral quando Daniele relatou ter pedido para ser bloqueada pela própria Uber. Bloqueios de usuários/parceiros da Uber são comuns em casos de desobediência das regras de uso do serviço, mas nunca ou raramente a pedido do próprio usuário/parceiro. Isso mostra uma tentativa de Daniele de se desvencilhar da atividade adicional sem perder o emprego. Funcionou por alguns dias, apesar dos pedidos insistentes do “comandante” para que ela resolvesse a situação junto à Uber. A pressão se dava por meio de constantes comentários de que ele não conseguiria manter a motorista e que seria “obrigado a demiti-la”. Impaciente, ele mesmo criou uma nova conta para Daniele, que precisou voltar a fazer as corridas, já que dependia do dinheiro para se manter. Ela contou que, no auge da pressão, foi no escritório da Uber e explicou a história, sendo informada de que aquela situação era irregular e que não seria possível reativar sua conta. Já buscando abandonar definitivamente essa situação de “uberização da Uber”, Daniele contou que estava completando um curso para motorista de ônibus e que já tinha trabalhado como motorista de van escolar, função que não se importaria de desempenhar novamente.

Pouco antes de nos deixar em nosso destino, ainda houve tempo de sabermos outra faceta do caso: Daniele mencionou haver outra motorista trabalhando para a família nas mesmas circunstâncias. Chamou-nos a atenção o fato de serem ambas motoristas mulheres, o que foi justificado por Daniele como ciúme do “comandante” pelo fato de as motoristas estarem à disposição de sua esposa. Para além do ciúme da esposa, outros atravessamentos por relações de gênero (e poder) podem ser percebidos nessa situação, já que o “comandante” parecia inspirar medo em sua motorista e alimentava a relação patronal com constantes ameaças, certamente aproveitando-se do fato de sua funcionária ser mulher. A razão de empregar apenas mulheres possivelmente o fazia exercer outras formas de dominação e poder mais ou menos sutis e já extensamente pensadas e apontadas como características das relações de gênero no mundo do trabalho.

Antes que deixássemos Daniele e ela se fosse com outro passageiro, perguntamos se ela gostaria que a avaliássemos com a nota máxima (cinco estrelas) ou se preferia uma nota baixa, para ser bloqueada novamente pelo aplicativo. “Nota alta, né, porque a gente tem nosso orgulho.” A nota que demos, cinco estrelas, não era de forma alguma injusta. Longe disso, a viagem acabou sendo perturbadoramente agradável, apesar da história de precarização disfarçada, muito pela simpatia e abertura da própria Daniele, duplamente uberizada e sob vigilância de seu “comandante”.

Uberizações

O caso de Daniele nos mostra aspectos sombrios daquilo que vem sendo chamado de sharing economy. No lugar da maior liberdade e autonomia prometidas pelas formas de empreendedorismo criativo, o que pudemos ver foi um trabalho ainda mais intenso, controlado e hierarquizado. Se é verdade que o modelo de trabalho que constituiu o capitalismo industrial fordista vem se enfraquecendo desde a década de 1980, pelo menos não foi para nos dirigirmos a um mundo no qual o próprio trabalho e sua importância na constituição disciplinar da sociologia perderiam a cada dia mais sua centralidade.6 De modo quase oposto, o trabalho vai se tornando onipresente, distribuído por dispositivos tecnológicos que nos acompanham a todo momento, nos alertam, nos conectam, nos rastreiam e, até certo ponto, nos aprisionam na mais plena mobilidade.

O “comandante”, sem dúvida, foi empreendedor ao ter a ideia de colocar suas duas funcionárias para trabalhar, nas “horas vagas de trabalho” como motoristas de sua família, também como motoristas potenciais de qualquer usuário da Uber em São Paulo. Ao ter a ideia de transformar seu veículo particular em meio de produção e, por meio de um contrato formal ambíguo, apropriar-se da mais-valia produzida por suas duas trabalhadoras, o “comandante” não faz algo muito diferente daquilo que Marx observou na aurora do capitalismo industrial, ainda no século XIX.

Não pretendemos com isso afirmar que a economia compartilhada e suas variações de capitalismo criativo empreendedor possam ser reduzidas ao caso que apresentamos, ou mesmo que este seja significativo das relações econômicas e sociais que emergem da sharing economy e a sustentam. Muito menos defendemos que a perspectiva marxista, elaborada 150 anos antes do surgimento de empresas como Uber e Airbnb e do modelo econômico que proporcionam, seja a principal chave de explicação para as transformações contemporâneas do mundo do trabalho. Contudo, ao destacarmos as especificidades desse caso, levando em consideração o contexto político do Brasil do pós-golpe de 2016 e o avanço das políticas neoliberais de desregulamentação do trabalho, não há como não pensarmos nas crescentes possibilidades de radicalização da exploração capitalista e da precarização das relações de trabalho. Gradualmente, um pouco sem sentirmos, um tanto sem reagirmos, vamos nos acostumando com formas cada vez mais criativas, empreendedoras e autônomas de explorar os mais pobres, mais fracos e mais precários. Um mundo de uberexploração de um trabalho cada vez mais uberificado.

LE MONDE DIPLOMATIQUE. EDIÇÃO - 130 | BRASIL

fonte


*Rodrigo Firmino é professor titular do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), editor-chefe da revista urbe (www.scielo.br/urbe) e membro fundador da Rede Latino-Americana de Estudos em Vigilância, Tecnologia e Sociedade (Lavits – www.lavits.org). E-mail: rodrigo.firmino@pucpr.br. Bruno Cardoso é professor adjunto do Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia (PPGSA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e membro fundador da Lavits. E-mail: brunovcardoso@hotmail.com.

segunda-feira, 9 de julho de 2018

Alunos Maximize - Tatuapé 2018









TEMA: Abuso de youtubers e questionamento sobre regulamentação 2

Post de Cocielo abre debate sobre regulação de vídeos na internet
Diferentemente do cinema e da TV, conteúdo do Youtube não sofre controle de agência
   
POR JAN NIKLAS / LEONARDO LICHOTE 08/07/2018 4:30

RIO - O caso do post racista publicado pelo youtuber Júlio Cocielo provocou reações no país inteiro e chamou a atenção para a necessidade de uma resposta que vá além do calor e da velocidade das polêmicas digitais. Ou seja, um debate sobre como a sociedade pode se postar frente a um conteúdo que hoje não se submete a regulação nenhuma, diferentemente do material audiovisual veiculado em cinemas ou na televisão. Mais do que isso, um conteúdo dirigido a uma audiência em sua maioria de crianças e adolescentes.

— As crianças, que no passado sonhavam em ser jogadores de futebol, hoje querem ser youtubers. Eles são a Xuxa e a Angélica de hoje, sem dúvida — diz Bruna Castanheira, pesquisadora do Centro de Tecnologia e Sociedade da FGV. — Mas a forma de consumir mudou bastante. Na TV aberta a configuração era muito diferente. Normalmente havia uma TV na sala, que a família assistia junto. Hoje a criança pega o celular ou o tablet da mãe, do pai ou dela mesma e entra num universo que vai ter uma produção feita por qualquer pessoa. É um consumo bem mais amplo e individualizado.

As crianças, hoje, assistem a youtubers como Cocielo. Com 16 milhões de assinantes em seu canal, Cocielo é apontado pelo YouTube como a oitava celebridade mais influente do Brasil em 2017, entre atores e apresentadores de TV. Por isso, seu post sobre um jogador francês (“Mbappé conseguiria fazer uns arrastão top na praia hein”) gerou ondas de repúdio. Patrocinadores tiraram do ar campanhas com ele e romperam contratos; manifestações do Brasil todo, de nomes como Mano Brown, repudiaram a “piada”; Cocielo apagou de sua conta no Twitter cerca de 50 mil posts antigos (igualmente racistas, homofóbicos ou misóginos); outros youtubers fizeram seus “mea culpa”, em efeito cascata.

'AMADURECI', DIZ FELIPE NETO

O Ministério da Justiça estuda ampliar para o material audiovisual veiculado na internet a classificação indicativa que já vigora para o cinema e a televisão — ou mesmo para os games. A medida enfrenta a dificuldade tecnológica de lidar com uma produção gigantesca e descentralizada, como nota o youtuber Felipe Neto, um dos mais populares do país e que também já sofreu críticas pelo conteúdo de seu canal. Ele chama a atenção para o fato de muitos youtubers brasileiros morarem fora do país e transmitirem de lá. Mas vê alternativas:

— Eu aplico a classificação indicativa no meu canal e todos os meus vídeos que possuem palavrões recebem a classificação +13 no título. É uma iniciativa minha, que adoto para ajudar os pais que não querem que seus filhos tenham acesso a este tipo de linguagem.

Para a professora e diretora da Escola de Comunicação da UFRJ, Ivana Bentes, uma classificação indicativa seria bem-vinda, sobretudo uma regulação para a publicidade nas novas mídias:

— Se um youtuber fala e tem audiência infantil, ele não pode dizer qualquer coisa.

Ivana acredita, porém, que a maior regulação — e que já se aplica — é a social. Ou seja, aquela apontada espontaneamente pela própria sociedade a partir de seu amadurecimento e da manifestação clara do que ela não admite. A partir daí, defende ela, o debate em torno da regulação das novas mídias deve se desenvolver para responder a esse novo patamar de valores.

— A principal questão no caso da declaração racista de Cocielo é que o que era considerado piada, brincadeira, deslize se tornou inadmissível socialmente. É um enorme avanço. A sociedade brasileira, as empresas, os seguidores do youtuber e pessoas comuns estão reagindo ao racismo velado e ao racismo institucional que criam desigualdades extremas no Brasil. Essa é a primeira e mais importante regulação, a social.

Felipe Neto diz que reformulou seu canal a partir das críticas que recebeu, no que seria um reflexo direto desse caminho de amadurecimento da sociedade:

— Não reproduzir discurso misógino, racista ou homofóbico é o mínimo, não importa a idade do público que consome seu conteúdo. Aprendi isso na prática. Já são oito anos produzindo para o YouTube e, quando comecei, todo esse debate não existia. Utilizei as críticas para amadurecer, aprender, estudar o assunto e compreender como eu replicava ideias pré-concebidas sem nem sequer perceber.

Espaço por excelência da produção audiovisual veiculada na internet, o YouTube se exime de responsabilidades com relação ao controle do teor de seu conteúdo ou qualquer tipo de classificação indicativa. Em nota enviada para esta reportagem, a empresa diz que suas diretrizes explicam que a plataforma foi projetada para pessoas maiores de 18 anos. Além disso, ela oferece recursos como ferramentas e conselhos aos usuários — como o Modo Restrito, que impede a exibição de vídeos potencialmente adultos, ou a possibilidade de se denunciar conteúdos impróprios:

“Quando somos informados de uma conta que pertence a alguém que é menor de idade, encerramos a conta de acordo com nossas Diretrizes”, diz a nota. E continua: “Para famílias com crianças mais novas, oferecemos um aplicativo gratuito, o YouTube Kids, desenvolvido especialmente para atender ao público infantil, com filtros de conteúdo e curadoria para que somente o conteúdo ideal às famílias chegue aos usuários.”

A advogada Sandra Rogenfisch, da área de Telecomunicações, Mídia e Tecnologia do escritório Vinhas e Redenschi Advogados, contesta a percepção de que o YouTube não tenha responsabilidades sobre o que veicula:

— Podemos lembrar o que aconteceu no Facebook com o caso da eleição de Trump (notícias falsas veiculadas pelo Facebook sem nenhum controle teriam tido influência no resultado). Inicialmente (Mark) Zuckerberg declarava que não respondia pelo que estava ali, que só oferecia a plataforma, mas depois teve que mudar sua postura.

MARCAS TERÃO MAIS CAUTELA

Sandra reconhece a dificuldade de o YouTube fiscalizar esse volume de imagens. Porém, acredita que a inteligência artificial de reconhecimento de imagens da plataforma possa ser usada para ajudar nesse controle:

— Não que o YouTube vá classificar vídeo por vídeo, mas sabemos que eles têm tecnologia pra verificar o material impróprio. Mas não seria para fazer censura ou proibir, mas sim para atuar junto às pessoas que estão postando esses vídeos, num processo de educação — diz ela. — O discurso de que é uma mera plataforma é um pouco antiquado e desgastado. O YouTube devia ter a percepção de que a sociedade já entendeu que qualquer regulação de conteúdo sem que eles se comprometam é enxugar gelo.

O Brasil é especialmente sensível à questão. Segundo pesquisa realizada pelo Google (que é dona da plataforma de vídeo), com o Instituto Provokers, 95% dos brasileiros conectados acessam o YouTube ao menos uma vez por mês, e a média de tempo de consumo de vídeo do Brasil é a terceira maior do mundo. O levantamento aponta que a quantidade média de horas por semana assistidas de vídeos online pelos brasileiros passou de 8,1 em 2014 para 15,4 em 2017, um crescimento de 90,1% em três anos.

Outra pesquisa do Google revelou como tem aumentado a presença dos youtubers na lista de personalidades consideradas influenciadores. Na lista final cinco eram youtubers: Whindersson Nunes ficou em 1º lugar e Júlio Cocielo ficou em 8º, atrás de nomes como Lázaro Ramos e Taís Araújo.

O apelo desses nomes junto às marcas, portanto, é enorme. Segundo uma fonte do setor, a menção “natural” que um youtuber faça de um produto num vídeo varia entre R$ 60 mil e R$ 350 mil, dependendo do número de seguidores e de interação. Mas o episódio de Cocielo parece anunciar um cuidado maior das empresas em se associar a esses personagens.

— Certamente haverá mais cautela. Quando um escândalo envolvendo a celebridade acontece, acaba refletindo na reputação da marca — diz Ana Erthal, da ESPM Rio, responsável pela pesquisa de Digital Brand Experience. — Mas esse modelo de influenciadores digitais e youtubers é recente e ainda válido. Hoje, as agências de publicidade ficam minerando os perfis, e acompanhando, para encontrar pessoas que possam representar a identidade de uma marca. E mesmo que a marca não esteja envolvida com o problema dos personagens, ela vem a público dar explicações, a exemplo das marcas ligadas ao Cocielo.

'UMA DISCUSSÃO DE EDUCAÇÃO'

A ideia, portanto, de que a sociedade — mais do que o Estado, o YouTube ou as grandes marcas — assuma a frente desse debate é reforçada por Beth Carmona, consultora na área de produção e mídia infantil e diretora geral do Comkids (produtora de conteúdo para crianças e adolescentes):

— É muito difícil regular essa produção. O debate no setor tem sido muito em cima da media literacy, ou seja, a leitura crítica da mídia, o exercício com as crianças desse olhar crítico, inclusive ter isso como disciplina dentro das escolas. É uma discussão de educação, sobretudo.

Colaborou Bruno Rosa

TEMA: Abuso de youtubers e questionamento sobre regulamentação



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