Fluxo de Consciência e Monólogo Interior: Uma Introdução
No Dicionário de Narratologia, de Carlos Reis e Ana Cristina M. Lopes, encontramos a seguinte passagem: "O monólogo interior é uma técnica narrativa que viabiliza a representação da corrente de consciência de uma personagem. Foi E. Dujardin o primeiro escritor a pôr em prática essa técnica narrativa, na obra Les laurier sont coupés (1887); e foi Joyce quem retirou este escritor do esquecimento, ao apontá-lo como inspirador dos monólogos de Ulisses." (REIS, LOPES, 2007, p. 237).
Neste trecho já podemos observar a íntima relação que existe entre os dois recursos narrativos em questão, relação que se estreita ainda mais quando os autores afirmam que: "O monólogo interior distingui-se do monólogo tradicional, pelo facto de representar o fluxo de consciência da personagem sem qualquer intervenção organizadora do narrador. Há, no entanto, autores que consideram desnecessária esta distinção, na medida em que se trata, em ambos os casos, de uma citação directa dos pensamentos da personagem, marcada gramaticalmente pela primeira pessoa e pelo presente. Sublinhe-se, todavia, que o monólogo interior, justamente porque se propõe veicular processos mentais e conteúdos psíquicos no seu estado incoativo, não apresenta a estrutura articulada do monólogo tradicional." (REIS, LOPES, 2007, p. 238, 239).
Observemos este outro trecho do conto em questão, em que o marido da protagonista a observa da janela do apartamento, caminhando com o filho do casal:
“Catarina”, pensou, “Catarina, esta criança ainda é inocente!” Em que momento é que a mãe, apertando uma criança, dava-lhe esta prisão de amor que se abateria para sempre sobre o futuro homem. Mais tarde seu filho, já homem, sozinho, estaria de pé diante desta mesma janela, batendo dedos nesta vidraça; preso. Obrigado a responder a um morto. Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer. Agora mãe e filho compreendendo-se dentro do mistério partilhado. Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem. “Catarina”, pensou comcólera, “a criança é inocente!” Tinham porém desaparecido pela praia. O mistério compartilhado. (LISPECTOR, p. 101, 1998).
Nesta passagem há um exemplo de toda a relevância que a interiorização da narrativa possui na obra clariceana. A partir de uma inesperada mudança no foco narrativo - após concentrar-se na maioria das páginas em Catarina, a autora dirige suas atenções para o marido, que adentra o texto através de um aparente monólogo interior - Lispector constrói um jogo narrativo em que se torna no mínimo complexo identificar de quem são, afinal, os pensamentos e impressões descritos nessa passagem; e mesmo que possamos “creditar” estes pensamentos ao personagem do marido, o próprio personagem parece não saber inteiramente a respeito do que está refletindo. Para chegar a esta constatação, basta destacar a aparência de pergunta sem resposta que muitas frases têm: “Quem saberia jamais em que momento a mãe transferia ao filho a herança. E com que sombrio prazer.” (LISPECTOR, p. 101, 1998), ou ainda “Depois ninguém saberia de que negras raízes se alimenta a liberdade de um homem.” (LISPECTOR, p. 101, 1998).
FONTE:
[XIII Congresso Internacional da ABRALIC: Internacionalização do Regional
08 a 12 de julho de 2013 Campina Grande, PB
O Fluxo de Consciência e o Monólogo Interior no Conto "Os Laços de Família" de Clarice Lispector
Prof. Dr. Silvio Holanda¹ Mestrando Felipe Cruz²
Resumo
Este artigo tem o objetivo de investigar como se dá a utilização dos recursos do fluxo de consciência e do monólogo interior no conto "Os laços de família", de Clarice Lispector. Para que essa tarefa seja cumprida, foi feito um rápido apanhado histórico e crítico a respeito dos dois recursos em questão, bem como um breve histórico do livro onde o conto foi incluído (no caso, Laços de Família, publicado em 1960). Esses dois momentos distintos convergem ao final do artigo, onde os conceitos de fluxo de consciência e monólogo interior serão aplicados ao conto de Clarice Lispector, evidenciando a importância que estes dois mecanismos narrativos possuem para o estilo da autora e, consequentemente, para sua obra ficcional.
Palavras-chave: Clarice Lispector; fluxo de consciência; monólogo interior.]
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