segunda-feira, 14 de abril de 2025

REDAÇÃO - Medicina UNESP 2022

A Ditadura da Felicidade

Em uma das animações mais célebres da indústria cinematográfica contemporânea, Divertidamente, os estados emocionais de Riley, uma menina prestes a entrar na puberdade, são retratados por personagens que simbolizam e recebem os nomes das cinco emoções fundamentais e inerentes ao ser humano: Alegria, Tristeza, Raiva, Medo e Nojo. Controlando as ações da menina, os “personagens-emoções” são liderados pela Alegria, a qual tenta monopolizar toda a gerência comportamental da criança por acreditar ser a emoção mais capaz de prover uma infância alegre. Entretanto, ao excluir os demais estados emocionais da vivência de Riley e, principalmente, ao afastar a Tristeza do tratamento dos momentos infelizes, o psicológico da menina entra em colapso. Fora dos cinemas, é fato que Divertidamente pode ser comparado ao mundo contemporâneo: a felicidade, enquanto sentimento, assume traços de uma ditadura comportamental no século XXI, na qual os indivíduos globalizados têm que compulsoriamente buscá-la e exercê-la a todo momento. Nesse sentido, dois fatores configuram-se como alicerces desse quadro: a estigmatização das doenças mentais na sociedade hodierna e, consequentemente, a espetacularização da felicidade frente ao escondimento da tristeza.

Em primeiro lugar, é necessário ressaltar o estigma a que estão sujeitos aqueles que recorrem a tratamentos ou terapias psicológicas. Isso ocorre porque, historicamente, nas sociedades ocidentais, o estado mental esteve associado ao que se denominava força de espírito, de modo que quem possuísse qualquer distúrbio mental era visto como um indivíduo incapaz ou demonizado, sujeito à exclusão social e obrigado a participar de rituais de exorcismo, como ocorria no tribunal do Santo Ofício, na Idade Média. Consoante a esse cenário, tal estigma persiste e é evidenciado, nos dias de hoje, por exemplo, na ridicularização que a atleta Simone Biles sofreu pela mídia estadunidense ao desistir de competir nas Olimpíadas de Tóquio em razão de sua saúde mental. Nota-se, dessa forma, como a tristeza — seja ela manifestação de um estado emocional ou sintoma de doenças — é estigmatizada no tecido social.

Por conseguinte, de modo a minimizar a repressão social, os indivíduos escondem seus enfrentamentos psicológicos e concentram-se em exteriorizar tudo o que pode ser entendido como felicidade. Tal ordem social pode ser evidenciada, por exemplo, na trajetória da tenista japonesa Naomi Osaka, a qual afirmou com o lema “está tudo bem não estar bem”, em entrevista à revista Time, que era, muitas vezes, obrigada a fingir alegria durante premiações e eventos relacionados ao tênis. Apenas recentemente conseguiu discutir um pouco com a mídia sobre seus conflitos internos. Observa-se, nessa lógica, que a felicidade solidificou-se, atualmente, como um objeto de espetacularização, o qual é exteriorizado pelos sujeitos sociais como resposta à validação que se espera de quem a possui. Dessa forma, a tristeza é entendida como defeito a ser apagado, e o indivíduo torna-se submisso à necessidade de viver feliz.

Portanto, fica claro, à vista dos fatos supracitados, que a felicidade assume aspectos compulsórios no mundo hodierno, estigmatizando enfrentamentos psicológicos por ser entendida como algo alheio a eles e tornando os indivíduos submissos ao seu próprio “paletó social”.

 NOTA 26,320 (28 É A MÁXIMA)

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