quinta-feira, 23 de novembro de 2017

REDAÇÃO. TEMA: Apropriação cultural

APROPRIAÇÃO CULTURAL

O conceito de apropriação cultural, embora controverso, tem implodido o mito da democracia racial brasileira, já que coloca em debate as profundas tensões de cor, classe e credo no país.

Os colonizadores portugueses não apenas roubaram a terra dos autóctones da América, dizimaram nações, confinaram os índios a áreas cada vez menores. Da África, trouxeram em grilhões homens, mulheres e crianças que submeteram a trabalhos extenuantes, tortura e humilhação. Além da liberdade, privaram-lhes da língua, das crenças, dos costumes, impondo-lhes além da fé católica e da cultura branco-europeia, uma terra inóspita que transformaram. Nela, punidos eram todos os que não se submetessem à assimilação, desse modo, era-lhes negado o que define um povo: sua cultura.

O uso de elementos identitários de um grupo historicamente marginalizado por outro (ainda mais se em posição privilegiada), pode ser entendido por muitos, como uma vitória sobre o dominador. Será uma conclusão falsa, contudo, se tal cultura for vista como “aceitável” ou mesmo “superior”, apenas pelo fato de “agradar” à elite. Não foi o que ocorreu com o Blues, Jazz, Soul, Rock, Reggae, Samba, Axé, Rap, Break dance e o Passinho? Não são essas expressões artísticas originárias das periferias, inicialmente desprezadas e perseguidas até serem “adotadas” pelos brancos e integrarem o “mainstream”?

O Brasil é resultado de mudanças histórias e interação social complexas, entretanto, recusar que isso se deu com violenta perseguição à cultura negra é negar o que nos constitui. Se a capoeira, o samba, a fé do povo de rua/dos terreiros existem ainda, deve-se não apenas ao sincretismo (sagaz estratégia de aparente conciliação entre a cultura do dominante e dominada), mas à resistência que resultou no legado e tradição obtidos com grande luta. Embora o intercâmbio com outros imigrantes tenha também definido o ser brasileiro, -- o que nos destitui de um caráter único, como apontou o escritor Mario de Andrade em seu romance Macunaíma, – esvaziar/banalizar os elementos identitários dos grupos desde sempre explorados e excluídos, é atualizar o desrespeito à ancestralidade negra e ameríndia.

Apropriação cultural não diz respeito a “individualidades”, trata-se de um fenômeno social amplo de negação e apagamento da memória/história do outro. Trata de contextos capitalistas em que uma “indústria” banaliza, esvazia, simplifica e desprestigia uma cultura, se essa não estiver a serviço de uma classe privilegiada. É preciso, portanto, valorizar as múltiplas raízes brasileiras. Exigir dos nossos governantes um ensino menos eurocêntrico – com foco nas nossas demais matrizes - é fundamental. Dar atenção às periferias e suprir suas demandas por mais educação, arte e cultura são um primeiro passo a permitir que o brasileiro expresse com plenitude sua identidade (não como mercadoria de exportação). Conferindo protagonismo aos reais fundadores da arte/cultura inventiva e plural do Brasil, impedir-se-á a apropriação predatória e cosmética pelo mercado dos nossos bens também simbólicos, meio de garantir o fortalecimento dos laços comuns, do sentido de pertencimento o que confere dignidade, respeito e a autoestima ao se reconhecer brasileiro.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

INT

  Ambiente/Cenário/Contexto: máquina automática de reposição automática de profissionais coisificados Foco: personagem: profissionais à vend...